Os Xutos & Pontapés actuaram no passado dia 1 de Maio no festival de música organizado em paralelo com o cumprimento das tradições académicas desta cidade cheia de batinas pretas. A Queima das Fitas, um festim pagão de álcool e frustrações académicas libertas disfarçado de tradiçao secular, é uma montra imensa para quem quer que lá toque, sendo objecto de uma visibilidade mediática e populacional notórias, contando com milhares de espectadores ao longo dos 8 ou 9 dias do evento.
Todos sabemos quais os estigmas e epítetos associados a esta banda de Rock cantado em Português (e daí também a escolha deste concerto como tema do artigo), desde "Os Rolling Stones Portugueses" a "Melhor Banda Portuguesa de Todos os Tempos", etc, etc, etc e tal. Quer se goste ou não, esta é uma das bandas com maior projecção, durabilidade, consistência, sucesso -e outros substantivos que indiquem qualidades- do panorama nacional e terão certamente um lugar na história da nossa música e do nosso país, pois até condecorados foram!
Como observador atento, e cada vez mais, das prestações e carreiras das bandas nacionais, foi com grande satisfação que consegui planear um longo fim-de-semana que incluía o concerto destes avôzinhos que me encheram o ouvido ao longo de duas décadas e meia, com clássicos como "A Minha Casinha", "Não Sou o Único", "O Homel do Leme" e muitos outros titulos que sempre foram temas favoritos para as noites de guitarra com os amigos. Após pagar os 15€ ("ora bem, deixa lá ver... este valor exorbitante multiplicado por milhares exorbitantes de espectadores dará o quê? Fortunas assolapadas para o bolso de alguém... que roubo!") e com um pequeno aperto no estômago e a carteira mais magra, preparo-me para o espectáulo que antecipava como algo épico...
A partir daqui foi quase tudo pior.
Em primeiro lugar pergunto-me o que se passará nas mentes do letrista destes meninos no que toca ao último álbum que fizeram. Respeito, sempre respeitei e respeitarei qualquer letrista, qualquer pessoa que escreva para se ouvir. É um acto de coragem e ousadia, uma exposição do eu perante o mundo, uma invasão que se permite a quem a queira perpetuar. Não está em causa, obviamente, a qualidade da banda ou de qualquer dos elementos, nem do percurso gigantesco que estes pais do rock nacional trilharam para nós, bandas que estão agora a quebar as cascas com ares ridiculamente ameaçadores, sem a mínima experiência e traquejo mas...
Leiam isto:
1ª Estrofe
"Pensei escrever esta canção para dizer
O quanto eu te amo agora
Talvez assim esta tristeza
Se vá mais depressa embora"
...
Pré-Refrão
"Podes pensar que eu estou maluco
E deves ter razão
Só um louco como eu
Vive o amor com tanta paixão"
Refrão
"Enquanto eu sentir assim
Enquanto eu sentir por ti
Enquanto, por enquanto eu gosto de ti"
- "Amor com Paixão", Quem É Quem - 2009 -
Agora vejamos... eu, se um dia tiver um filho que com 7 ou 8 anos me mostre a sua inclinação para a poesia desta forma, ou de forma semelhante, eu torço o nariz por dentro, mas dir-lhe-ei: "Isso, filho. Continua! Escreves muito bem e o papá adora ler os teus poemas", na esperança que realmente um dia veja um lampejo de iluminação poética no rapaz ou rapariga que educarei. Se um amigo meu que nunca tivesse escrito poesia me mostrasse este poema, eu encorajava-o também, mas criticava (e muito) o facilitismo das rimas e o carácter básico e pobre da temática e dos versos. Agora, se estou num concerto de Xutos, se já sei que vou ouvir temas como "O Homem do Leme", o "Sémen", os "Gritos Mudos", a "Chuva Dissolvente", etc, e oiço estas linhas cantadas pelo Tim, o mínimo que posso fazer é ficar indignado, revoltado e ultrajado com o caminho (e principalmente o exemplo que dão) que os Xutos & Pontapés estão a tomar.
Reparem, isto não é "um caso isolado". Procurem na internet as letras do novo álbum "Quem É Quem" destes heróis do rock nacional e surpreendam-se do mesmo modo em pelo menos mais quatro ou cinco temas (que, por azar, tive de ouvir no concerto da Queima das Fitas). Eu já tinha achado estranho o "Vou tirando fotocópias/ E vou pensando em ti" da música do "Ai se ele cai, vai-se partir/ Meu coração, vai-se partir" que saiu há uns tempos. Acho a letra desse tema péssima e a cobertura que a rádio lhe deu vergonhosa e fácil, um pouco como o "Feitiço"/Enguiço do André Sardet ou a história de bolso da Brandi Carlile. Quando no álbum a seguir, os Xutos brindam o ouvido mais atento com pérolas podres da língua de Camões, com versos terríveis e imberbes, frases sem a mínima substância e carácter, rimas constrangedoras e até um nivelar por baixo do que já fizeram antes, algo está muito mal na música portuguesa.
Não concebo que uma banda piore, que um artista se acomode, que se crie "a despachar" (estariam a precisar de dinheiro? será que se achavam desaparecidos das rádios? crises de meia-idade?), que se obrige os fãs dos Xutos -nos quais não me incluía e agora muito menos- a escutar no mesmo concerto a "Chuva Dissolvente" e o "Amor com Paixão", "O Homem do Leme" e o "Perfeito Vazio":
"Aqui estou eu
Sou uma foha de papel vazia
Pequenas coisas
Pequenos pontos
Vão-me mostrando o caminho
Às vezes aqui faz frio
Às vezes eu fico imóvel
Pairando no vazio
Às vezes aqui faz frio"
(...)
- "Perfeito Vazio", Quem É Quem - 2009 -
"Ora bem... vamos lá escrever uma letra... já sei! Vou dizer coisas sem nexo nenhum e que se pareçam com o discurso daquelas pessoas que não sabem do que estão a falar e querem parecer muito eruditas e usam expressões que ninguém percebe ou se dá ao trabalho de perceber. Às vezes eu fico imóvel pairando no vazio, às vezes aqui faz frio! Boa!!! Até rima e tudo. Perfeito, esta já está!" O que é isto?
Fico triste. Fico desiludido com Portugal, com as rádios, com o público... sei que esta conversa já cheira a esturro, que ser "Velho do Restelo" é fácil, que criticar não custa metade do que custa fazer mas... "PÔRRA"! Basta entrarem no blog do MAR http://movimentoalternativorock.blogspot.com e escutarem a primeira canção da playlist, a "Canção de Rádio" dos NERVO, ou a segunda, ou a terceira, ou a quarta, qualquer uma delas tem uma letra mais aprimorada do que estes dois temas. Qualquer das letras que já ouvi no MAR tem pelo menos uma mensagem, um trabalho de escritra. E nenhuma das bandas MAR tem sequer uma década de existência, nenhum dos seus temas passa na rádio, nenhum de nós vive da música, pode ter tempo para compôr, para criar à vontade, sem limites.
Digam-me agora que isto não é preguiça! Digam-me que não estamos a levar com a esfrega do simples e básico, com o que é fácil, com o que é mau! Porque é que o público não se importa com o que ouve, comendo a "caca" que lhes servem com a mesma satisfação e entusiasmo das músicas mais que supra-citadas e que serão sempre temas eternos da história da música nacional!? Porque é que o público não assobia ou vaia estes gandes senhores do Rock que agora se arrastam pelos meandros das letras de guardanapo, rimadas à martelada e despachadas para dentro de um aro que todas as rádios põem a tocar?
A única solução que vejo é virar a página.
Pergunta: Será que as pessoas que decidem o que toca na rádio ouvem alguma vez as músicas que passam ou criam aleatoriamente a playlist com temas de nomes grandes ou sugeridos, põem-na a tocar e vão tomar café?
P.S.: Não quero soar ingrato ou injusto. O concerto foi um óptimo espectáculo, os Xutos são realmente grandes e sabem o que estão a fazer... pelo menos do meio para a frente, quando os temas já são os quase obrigatórios.
Todos sabemos quais os estigmas e epítetos associados a esta banda de Rock cantado em Português (e daí também a escolha deste concerto como tema do artigo), desde "Os Rolling Stones Portugueses" a "Melhor Banda Portuguesa de Todos os Tempos", etc, etc, etc e tal. Quer se goste ou não, esta é uma das bandas com maior projecção, durabilidade, consistência, sucesso -e outros substantivos que indiquem qualidades- do panorama nacional e terão certamente um lugar na história da nossa música e do nosso país, pois até condecorados foram!
Como observador atento, e cada vez mais, das prestações e carreiras das bandas nacionais, foi com grande satisfação que consegui planear um longo fim-de-semana que incluía o concerto destes avôzinhos que me encheram o ouvido ao longo de duas décadas e meia, com clássicos como "A Minha Casinha", "Não Sou o Único", "O Homel do Leme" e muitos outros titulos que sempre foram temas favoritos para as noites de guitarra com os amigos. Após pagar os 15€ ("ora bem, deixa lá ver... este valor exorbitante multiplicado por milhares exorbitantes de espectadores dará o quê? Fortunas assolapadas para o bolso de alguém... que roubo!") e com um pequeno aperto no estômago e a carteira mais magra, preparo-me para o espectáulo que antecipava como algo épico...
A partir daqui foi quase tudo pior.
Em primeiro lugar pergunto-me o que se passará nas mentes do letrista destes meninos no que toca ao último álbum que fizeram. Respeito, sempre respeitei e respeitarei qualquer letrista, qualquer pessoa que escreva para se ouvir. É um acto de coragem e ousadia, uma exposição do eu perante o mundo, uma invasão que se permite a quem a queira perpetuar. Não está em causa, obviamente, a qualidade da banda ou de qualquer dos elementos, nem do percurso gigantesco que estes pais do rock nacional trilharam para nós, bandas que estão agora a quebar as cascas com ares ridiculamente ameaçadores, sem a mínima experiência e traquejo mas...
Leiam isto:
1ª Estrofe
"Pensei escrever esta canção para dizer
O quanto eu te amo agora
Talvez assim esta tristeza
Se vá mais depressa embora"
...
Pré-Refrão
"Podes pensar que eu estou maluco
E deves ter razão
Só um louco como eu
Vive o amor com tanta paixão"
Refrão
"Enquanto eu sentir assim
Enquanto eu sentir por ti
Enquanto, por enquanto eu gosto de ti"
- "Amor com Paixão", Quem É Quem - 2009 -
Agora vejamos... eu, se um dia tiver um filho que com 7 ou 8 anos me mostre a sua inclinação para a poesia desta forma, ou de forma semelhante, eu torço o nariz por dentro, mas dir-lhe-ei: "Isso, filho. Continua! Escreves muito bem e o papá adora ler os teus poemas", na esperança que realmente um dia veja um lampejo de iluminação poética no rapaz ou rapariga que educarei. Se um amigo meu que nunca tivesse escrito poesia me mostrasse este poema, eu encorajava-o também, mas criticava (e muito) o facilitismo das rimas e o carácter básico e pobre da temática e dos versos. Agora, se estou num concerto de Xutos, se já sei que vou ouvir temas como "O Homem do Leme", o "Sémen", os "Gritos Mudos", a "Chuva Dissolvente", etc, e oiço estas linhas cantadas pelo Tim, o mínimo que posso fazer é ficar indignado, revoltado e ultrajado com o caminho (e principalmente o exemplo que dão) que os Xutos & Pontapés estão a tomar.
Reparem, isto não é "um caso isolado". Procurem na internet as letras do novo álbum "Quem É Quem" destes heróis do rock nacional e surpreendam-se do mesmo modo em pelo menos mais quatro ou cinco temas (que, por azar, tive de ouvir no concerto da Queima das Fitas). Eu já tinha achado estranho o "Vou tirando fotocópias/ E vou pensando em ti" da música do "Ai se ele cai, vai-se partir/ Meu coração, vai-se partir" que saiu há uns tempos. Acho a letra desse tema péssima e a cobertura que a rádio lhe deu vergonhosa e fácil, um pouco como o "Feitiço"/Enguiço do André Sardet ou a história de bolso da Brandi Carlile. Quando no álbum a seguir, os Xutos brindam o ouvido mais atento com pérolas podres da língua de Camões, com versos terríveis e imberbes, frases sem a mínima substância e carácter, rimas constrangedoras e até um nivelar por baixo do que já fizeram antes, algo está muito mal na música portuguesa.
Não concebo que uma banda piore, que um artista se acomode, que se crie "a despachar" (estariam a precisar de dinheiro? será que se achavam desaparecidos das rádios? crises de meia-idade?), que se obrige os fãs dos Xutos -nos quais não me incluía e agora muito menos- a escutar no mesmo concerto a "Chuva Dissolvente" e o "Amor com Paixão", "O Homem do Leme" e o "Perfeito Vazio":
"Aqui estou eu
Sou uma foha de papel vazia
Pequenas coisas
Pequenos pontos
Vão-me mostrando o caminho
Às vezes aqui faz frio
Às vezes eu fico imóvel
Pairando no vazio
Às vezes aqui faz frio"
(...)
- "Perfeito Vazio", Quem É Quem - 2009 -
"Ora bem... vamos lá escrever uma letra... já sei! Vou dizer coisas sem nexo nenhum e que se pareçam com o discurso daquelas pessoas que não sabem do que estão a falar e querem parecer muito eruditas e usam expressões que ninguém percebe ou se dá ao trabalho de perceber. Às vezes eu fico imóvel pairando no vazio, às vezes aqui faz frio! Boa!!! Até rima e tudo. Perfeito, esta já está!" O que é isto?
Fico triste. Fico desiludido com Portugal, com as rádios, com o público... sei que esta conversa já cheira a esturro, que ser "Velho do Restelo" é fácil, que criticar não custa metade do que custa fazer mas... "PÔRRA"! Basta entrarem no blog do MAR http://movimentoalternativorock.blogspot.com e escutarem a primeira canção da playlist, a "Canção de Rádio" dos NERVO, ou a segunda, ou a terceira, ou a quarta, qualquer uma delas tem uma letra mais aprimorada do que estes dois temas. Qualquer das letras que já ouvi no MAR tem pelo menos uma mensagem, um trabalho de escritra. E nenhuma das bandas MAR tem sequer uma década de existência, nenhum dos seus temas passa na rádio, nenhum de nós vive da música, pode ter tempo para compôr, para criar à vontade, sem limites.
Digam-me agora que isto não é preguiça! Digam-me que não estamos a levar com a esfrega do simples e básico, com o que é fácil, com o que é mau! Porque é que o público não se importa com o que ouve, comendo a "caca" que lhes servem com a mesma satisfação e entusiasmo das músicas mais que supra-citadas e que serão sempre temas eternos da história da música nacional!? Porque é que o público não assobia ou vaia estes gandes senhores do Rock que agora se arrastam pelos meandros das letras de guardanapo, rimadas à martelada e despachadas para dentro de um aro que todas as rádios põem a tocar?
A única solução que vejo é virar a página.
Pergunta: Será que as pessoas que decidem o que toca na rádio ouvem alguma vez as músicas que passam ou criam aleatoriamente a playlist com temas de nomes grandes ou sugeridos, põem-na a tocar e vão tomar café?
P.S.: Não quero soar ingrato ou injusto. O concerto foi um óptimo espectáculo, os Xutos são realmente grandes e sabem o que estão a fazer... pelo menos do meio para a frente, quando os temas já são os quase obrigatórios.
texto de GONÇALO MIRAGAIA